Até que ponto uma empresa deve ser responsabilizada judicialmente pelos atos de um serviço terceirizado? Esse assunto veio à tona recentemente, depois que a empresa Fênix Serviços Administrativos e Apoio à Gestão de Saúde Ltda ganhou destaque por ser acusada de manter 207 pessoas em situação de trabalho análogo à escravidão em um campo de colheita de uva em Bento Gonçalves, na Serra Gaúcha. A Fênix prestava serviços para as vinícolas Aurora, Salton e Cooperativa Garibaldi, quando três trabalhadores fugiram do local de cárcere e procuraram a polícia.
As vinícolas alegam que não têm conhecimento da situação, que apenas realizavam o pagamento para a empresa terceirizada e que ela faria todo o trabalho de repasse. O fato é que a contratação de um terceiro para qualquer tipo de atividade não isenta a empresa contratante de corresponsabilidade.
Em uma possível ação judicial, ela será responsabilizada legalmente, tendo que arcar com todos os custos caso a terceira não o faça. Além disso, o empresário deve estar atento a toda documentação e deve fiscalizar frequentemente todos os processos para não ter surpresas no futuro.
Como explica o advogado trabalhista Renato Tripiano, antes da nova lei trabalhista de 2017, não era permitido terceirizar serviços da atividade principal de uma empresa, como, por exemplo, motoristas para uma companhia de logística.
“Só se via terceiros contratados com mais frequência em serviços de limpeza, de segurança, de portaria etc. Mas, agora, como isso é permitido, os cuidados devem ser redobrados porque pode envolver problemas graves de insalubridade, de higiene, de recolhimento de impostos, de falta de pagamento de salários e de tantas outras questões fundamentais que podem gerar ações criminais e judiciais para a empresa contratante”, explica.
E acrescenta: “por mais que a terceirização seja permitida em qualquer atividade no âmbito da empresa, o tomador de serviços será responsabilizado em uma eventual ação trabalhista por irregularidades da terceirizada. É o que chamamos de responsabilidade subsidiária”, diz o advogado.
Se a prestadora de serviços não efetuar o pagamento dos créditos salariais devidos ao tomador, por exemplo, a responsabilidade deve ser transferida à tomadora de serviços, responsável subsidiária, como prevê, por exemplo, a Súmula nº 331 do Tribunal Superior do Trabalho (item IV). “Essa súmula diz que o inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto às obrigações”, destaca Tripiano.
Mas, afinal, quais cuidados o empregador deve ter? Para evitar esse tipo de problema, são fundamentais algumas verificações prévias e uma minuciosa fiscalização de todas as empresas terceiras que forem contratadas. O especialista em gestão de negócios, Cleber Brandão, dá algumas dicas. “A checagem inicial é imprescindível porque é onde pode-se verificar a idoneidade da empresa, mediante a certidão negativa de débitos e os documentos expedidos pelo INSS; a certidão negativa do Procon; a verificação de processos trabalhistas; e se há documentação societária, em caso de uma sociedade”, diz Brandão.
Além disso, é interessante pegar indicações sobre a empresa antes de contratá-la, ver como é o desempenho das entregas prestadas e a ambientação dos funcionários. Se não há um time motivado, a chance de alta rotatividade é grande, o que prejudica a contratante. E antes de contratar, o especialista recomenda que haja um treinamento para que os terceiros estejam alinhados com a cultura da empresa onde irão trabalhar.
O segundo passo é a elaboração do contrato. O advogado Tripiano explica que “a empresa tem que ter todos os pontos muito claros e as exigências de fiscalização garantidas por escrito para manter a prestação do serviço. E que a empresa tenha um advogado que possa analisar e conferir se tudo está sendo atendido conforme o contrato”.
Após essas duas etapas, entra a fase da fiscalização do trabalho que está sendo feito pela terceirizada, a fim de garantir que o objeto do contrato seja executado de forma correta. “Aconselho sempre manter uma constante atualização sobre as atividades e as questões jurídicas da empresa contratada para evitar problemas futuros”, destaca Tripiano.
E ele não relata apenas pagamentos de impostos, salários e benefícios. “Se o empresário terceiriza mão de obra fora da sua empresa, ele tem que estar atento se há condições de higiene adequadas ou insalubridade para essas pessoas, se os horários são respeitados para não exigir horas sem pagamento além do combinado e todos os direitos garantidos. Quando as pessoas estão dentro da sua empresa é mais fácil fiscalizar, mas nem sempre é assim”, afirma.
Parecem medidas óbvias, mas, como lembra Brandão, “hoje, os empresários, principalmente os pequenos, estão tão atarefados que acabam delegando a responsabilidade para terceiros e não dão atenção aos detalhes contratuais. Isso pode gerar grandes problemas depois caso haja irregularidades”.